quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Advogado e Defensor Público – onde está a diferença?

Muito se pergunta, muito se especula, acerca de ser o Defensor Público, de fato, um advogado. Bem, a raiz da palavra, os requisitos para ser advogado são os mesmos.

O dicionário Houaiss assim trata o verbete:


Datação
sXIII cf. IVPM
Acepções
Substantivo masculino
1 pessoa habilitada a prestar, em assunto jurídico, assistência profissional a outrem, defendendo seus interesses, judicial ou extrajudicialmente
2 Derivação: por extensão de sentido.
aquele que intercede, que medeia; mediador
Ex.: nas brigas da família, o patriarca agia como um a.
3 Derivação: por extensão de sentido. indivíduo que patrocina ou protege alguém ou uma causa; patrono, defensor
Ex.: é um a. da literatura de cordel


Indo à raiz da palavra, aos seus primórdios, busca-se no mesmo repositório de significados o seguinte sentido:


Etimologia
lat. advocátus,i 'patrono, defensor procurador da causa, o que assiste um acusado com a sua presença, conselho, crédito, testemunho', por via semiculta; Nascentes deriva de advocatu- 'chamado para junto (para defender)', através do antigo avogado, refeito; segundo JM, na Idade Média foi us. com a acp. 'defensor de comunidades religiosas ou abadias'; ver voc-; f.hist. sXIII auogado, sXIII uogado, sXIV vogado


Como sinônimo para a palavra advogado, cita-se, no mesmo léxicon, o vocábulo “Defensor” e remete-se à sinonímia deste, como válida, também, para aquela:


advogado, arauto, campeão, causídico, defendedor, lutador, padrinho, padroeiro, paladim, paladino, patrocinador, patrono, propugnador, protetor, tutor, valedor; ver tb. antonímia de adversário


Portanto, há um liame, entre as duas palavras, significando isso que a destinação que se dá às funções é semelhante, bem como o tratamento vernacular.

Seguindo essa investigação, busca-se, fora dos bastiões de advogados e defensores, outros usos para a palavra, mostrando-se que, latu sensu, seu alcance é muito amplo.

A Pomotora de Justiça do Espírito Santo, Marlusse Pestana Daher, em excerto de trabalho muito bem escrito , traz interessante concepção da carreira de Membro do Parquet:


Hoje, o Ministério Público se afigura como autêntico advogado dos interesses sociais, dos interesses difusos e coletivos. É titular da ação que se fizer necessária para proteger o que é de todos. Quando na ação penal, comunica e apresenta ao Estado Juiz, o fato e requer a pena, dá voz à sociedade ofendida por uma conduta individual, exerce a função que o mesmo Estado lhe deu, tem verdadeira atribuição de advogado, estritamente ligada a de defensor.

Vê-se que há uma interligação, um ponto em que as profissões se encontram, ou seja, a defesa dos interesses comuns muitas vezes é partilhada tanto por Advogados, quanto por Promotores e Defensores Públicos.

A expressão Defensor, por outro lado, é usada de maneira ampla... Defensor é aquele que defende. Advogados têm como papel defender os interesses de pessoas físicas e jurídicas, estas subdividindo-se nas áreas privada e pública, logo, latu sensu, também, podem ser chamados de defensores, e o são, até mesmo na Lei, valendo verificar que em inúmeras vezes a palavra é encontrada no CPP, valendo notar que a expressão “defensor público” não está ali , pelo simples fato de que, em 1941, época em que foi editado, como decreto, não existia Defensoria Pública na forma conhecida, hoje.

Dessa forma, em ações civis públicas, pode haver a figura dos três, atuando em prol do interesse público, não importando se para isso o fazem em nome próprio (Ministério Público e Defensoria) ou como patrono de entidade privada (Advogado), que inclua entre suas finalidades institucionais a proteção ao meio ambiente ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico .

Vale dizer que, hodiernamente, tanto Ministério Público quanto a Defensoria Pública podem, independentemente, ingressar com ação civil pública, a teor da nova redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007 ao art. 5º, II, da Lei Federal 7347/1985.

Isso não tira um milímetro da importância do advogado mas, já de início, demonstra que existe uma diferença entre as carreiras.

Assim é que na Constituição Federal, como irmãs, Advocacia e Defensoria estão incluídas no mesmo título, capítulo e sessão, mas em artigos diferentes. São, de outro lado, Ministério Público, Advocacia da União, Procuradorias dos Estados, Advocacia particular e Defensoria Pública englobados num só feixe: Tratam-se, todas, de funções essenciais à Justiça (título IV, capítulo IV da Constituição federal).

Dê-se ênfase especial palavra função. São, as indicadas acima, todas independentes e harmônicas entre si, devendo umas não se imiscuírem com as demais. Lamentavelmente, foi o que ocorreu com o Estatuto da Advocacia (e também as partes que tocam às Defensorias da União e dos Territórios, na Lei Complementar 80/94).

Mas, enquanto funções essenciais à Justiça, cada uma tem uma missão, genericamente falando, embora haja pontos em que todas se encontram, o principal deles, em muitos casos, é o interesse público.

Entretanto, isso faz com que, o Ministério Público, ao ingressar com ação de alimentos em favor de uma pessoa pobre (ainda que dizendo fazer isso em nome próprio, presentando e não representando a parte), em localidade onde não haja advogado ou Defensor Público, ou requerer a interdição de alguém com problemas mentais (tirando-se as circunstâncias em que isso acontece, com a prescrição legal específica, é exatamente assim), tal e qual faria um Advogado, tenha de ser inscrito na Ordem?

O desenho do Estatuto da Advocacia (Lei Federal 8.906/1994) é intimamente ligado ao ministério privado da profissão.

Logo nos §§ 1º e 2º do art. 2º do referido Diploma, lê-se:


§ 1º No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social.

§ 2º No processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público.
Os artigos seguintes se referem à advocacia, na sua modalidade privada. O Código de ética é exclusivamente voltado à atividade da advocacia privada. Logo, o Estatuto da Advocacia é planejado exclusivamente para o advogado privado, esteja ele na qualidade de autônomo ou na de empregado ou ainda de servidor de autarquia.

O § 1º do art. 3º do mencionado Estatuto, de maneira excepcional, força a inscrição na Ordem de quem advoga no âmbito público (Integrantes da Advocacia Geral da União, Procuradoria da Fazenda Nacional, Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades de administração indireta e fundacional), estando inconstitucionalmente assim redigido:


§ 1º Exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta lei, além do regime próprio a que se subordinem, os integrantes da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades de administração indireta e fundacional.
Trata-se de uma ficção, registre-se, planejada tendo em vista a participação no quinto constitucional nos areópagos, é verdade, mas de maneira não consentânea com o sistema adotado na Lex Legum, totalmente despida de razão de ser, quando se compara os dois artigos que caracterizam uma e outra função, na Carta Magna, de forma independente:


Seção III
DA ADVOCACIA E DA DEFENSORIA PÚBLICA
Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.
Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.
Fica clara a diferença entre uma e outra função... dois artigos, dois tratamentos. Advocacia é uma coisa, Defensoria é outra. O advogado tem uma ampla gama de atuação, podendo exercer seus misteres em qualquer Estado da Federação, sem limitação funcional de qualquer sorte.

Isso não acontece com os membros da Defensoria Pública, entidade por eles personificada, conforme se vê no § 1º do acima reproduzido artigo:


§ 1º Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito
Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos
Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso
público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da
inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições
institucionais. (Renumerado pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

Entretanto, se ao Defensor falece a possibilidade de atuar fora das cercanias do Estado ou da área de atribuições na União, tem em seu favor um formidável leque de prerrogativas, as quais não são estendidas ao causídico particular (verbi gratia, o disposto nos incisos do art. 128, da Lei Complementar Federal 80/1994).

Se cometer uma falta de ordem ética ou funcional, o Defensor Público não está submetido ao Tribunal da OAB... ela será objeto de investigação e persecução da Corregedoria de cada uma das Defensorias Estaduais ou da União, isso devido ao princípio do nom bis in eadem. Eis a definição, colhida em site alienígena, a respeito desse tópico:

Nom Bis In Idem
Expresión que niega la posibilidad legal de promover un nuevo juicio sobre una cuestión ya resuelta en otro anterior, o de sancionar dos veces una misma infracción, de cualquier genero.

Aplicado o raciocínio a contrario senso, temos interessante excerto que, analisado, explica a questão:


“Consecuentemente las diferencias apuntadas entre la sanción penal y la sanción disciplinaria, conllevan a la independencia de una y otra y determina que la conducta del agente, pueda constituir falta disciplinaria sin ser delito y a la inversa, incluso puede darse la circunstancia de una doble imposición de sanción en mérito a los dos factores de imputación de responsabilidad, cada una de las cuales va a ser aplicada por los órganos competentes, la Administración Pública y el Poder Judicial, respectivamente. Es que la independencia entre falta disciplinaria y delito, emergente de la distinta naturaleza de una y otro impide, la aplicación del principio jurídico "nom bis in eadem"; en consecuencia es posible la aplicación de ambas sanciones.” (Superior Tribunal de Justicia de Santiago del Estero, in re “CISNEROS, Roberto Eugenio c. Superior Gobierno de la Provincia”, sentencia del 13/02/2006, publicado en LL mayo 2006, págs. 399/401.)


Ora... em se tratando de falta, estar-se-ia lidando com conceitos idênticos, ou seja, a possibilidade de punição em duas esferas, de um mesmo fato, com desdobramentos distintos. Se um fato atribuído a Defensor Público for considerado legal ou inexistente, na Defensoria, e por algum motivo, relevante ou existente, na OAB, esta poderá cassar a possibilidade do Defensor exercer seus misteres, muito embora, na Defensoria, isso não tenha conseqüência, teremos a estranha figura do Defensor que não pode atuar enquanto Defensor, pois não tem habilitação de... advogado! É inocente na Defensoria e culpado, na OAB. Uma loucura!

Observe-se que qualquer falta cometida por Defensor Público, na realidade é uma falta cometida pelo Estado, acaso redunde em prejuízo alheio e deve por este último ser, mediante ação própria, ressarcido, tendo contra aquele ação regressiva.

Em referência ao Código de Ética, o Estatuto da Advocacia prevê:


Art. 33. O advogado obriga-se a cumprir rigorosamente os deveres consignados no Código de Ética e Disciplina.



Parágrafo único. O Código de Ética e Disciplina regula os deveres do advogado para com a comunidade, o cliente, o outro profissional e, ainda, a publicidade, a recusa do patrocínio, o dever de assistência jurídica, o dever geral de urbanidade e os respectivos procedimentos disciplinares.


Observe-se que não há lembrança da Instituição Defensoria Pública, à qual pertence o Defensor, sendo que este atua em nome daquela. É a Defensoria que atende, e não o faz em face de cliente e sim de assistido .

A palavra “assistido” aqui não tem condão pejorativo, nem é uma diminuição do cidadão carente. È um termo técnico, que significa exatamente isso... é o Estado-Defensor que presta serviços à pessoa, dando-lhe respaldo e aconselhamento jurídico, gratuitamente, sempre que ela não tenha condição de ser cliente de advogado, numa relação direta entre o que assume um serviço e o tomador do mesmo, em base contratual, privada e normalmente remunerada por este último.

Em trabalho similar ao presente, Alexandre Brandão Rodrigues, Defensor Público do Estado do Rio Grande do Sul, traça, com maestria, as múltiplas diferenças entre Defensores Públicos e advogados , valendo reproduzir o seguinte trecho:


"Já o advogado não é um órgão do Estado, é um profissional liberal contratado para postular e defender, administrativamente e judicialmente os interesses de seus clientes. É uma atividade privada, que também tem normas próprias e seus integrantes também têm obrigações, direitos e prerrogativas estabelecidas pelo Estatuto da OAB (Lei 8.906 de 4 de Julho de 1994). A condição do advogado de ser profissional liberal, de não ser um órgão do Estado, não diminui a sua importância, pois estabelece a Constituição Federal que o “advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, no limites da lei”.


No discurso proferido na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, na 39ª Sessão Ordinária, em 16 de maio de 2007, o ilustre Deputado Estadual MÁRCIO BIOLCHI (PMDB) foi feliz, ao declarar:


As principais diretrizes em que se fundamenta a atuação da Defensoria Pública são a prevenção, a reparação e a promoção dos direitos humanos. A partir da análise desses aspectos, podemos compreender a diferença entre o defensor público e o advogado. O defensor, além de patrocinar o acesso do pobre ao Judiciário, exerce missão decisiva no campo da orientação e da efetivação de direitos, propagando a igualdade, o sentimento de justiça e de confiança entre os cidadãos que buscam o amparo da instituição.


Como, numa orquestra, onde cada elemento toca o seu próprio instrumento, as funções essenciais à Justiça, têm, cada uma, missão específica, cabendo à Defensoria um mister diferenciado das demais, sem contudo se olvidar que cada um tem valor crucial para que se promova a equidade entre os homens, sempre que o equilíbrio social estiver em risco, pondo em movimento a máquina judiciária, para esse mister.

Há quem abrace a tese de que seria necessário filiar os Defensores Públicos à OAB, sob o discurso de que lhes faleceria a capacidade postulatória. Com todo o respeito aos arautos dessa idéia, a própria Constituição dá o respaldo necessário a que o labor defensorial valha por si mesmo. Um Defensor passa por um concurso concorridíssimo, sendo-lhe exigido prática processual por três anos, no mínimo (o que não se pede aos candidatos à inscrição na Ordem), não sendo necessário que essa experiência advenha dos escritórios de advocacia... pode o candidato a Defensor ter sido Promotor de Justiça ou Juiz, sendo inegável a prática jurídica (embora não necessariamente forense) de Delegados de Polícia, todos estes expressamente IMPEDIDOS de advogar, como IMPEDIDO de advogar, nos termos do Estatuto da Advocacia (privada) está, na realidade, o Defensor, na seara particular.

É a própria Constituição que dá ao Defensor esse múnus, não sendo crível que se exija a missão, mas não se providencie as armas para cumpri-la. Falando em armas, ainda que em sentido figurativo, o princípio da igualdade de armas dá bem o sentido que se quer expor neste escrito. Deve o Defensor atuar com a mesma capacidade que o Promotor de Justiça, principalmente na Justiça Criminal. O que se vê, hoje, na maioria dos Estados, é um Defensor Público auferindo uma renda que equivale a um terço dos componentes do Parquet, ainda tendo de despender com anuidades da Ordem (que não faz absolutamente nada, salvo raríssimas e honrosas exceções, para evitar esse estado de coisas), tornando mais difícil ainda, sua situação. Pergunta-se: até quando ingerências políticas (como, na realidade, a exigência de registro na OAB é) se protrairão, tornando mais difícil e burocratizada, desnecessariamente, a atividade Defensorial? Não estaria sendo ferido o princípio constitucional da eficiência, sempre que entraves e dificuldades fossem (como foram) criados?

Estranho, esse posicionamento, diante da realidade que exsurge da Carta Magna.
A carreira de advogado, portanto, é distinta da de Defensor Público, devendo ser regulada, a exemplo da Magistratura e o Ministério Público, exclusivamente por estatutos próprios e sem a interferência de outras instituições ou entidades, como a OAB.

2 comentários:

claudia disse...

bom dia eu tenho 18 anos e gostaria de saber ate quantos anos tenho direito de receber minha pensão alimenticía fazendo faculdade ou não ????

multiloko140cvs disse...

Bem, transcrevo as palavras da relatora de um processo de um TRF qualquer, que disse o seguinte: "Oras, quando realizou o concurso, precisava da OAB, agora quando defensor público, que ser ver livre da anuidade?, mantenho na íntegra a sentença fustigada de 1º grau, Publique, Registre-se e Intime-se"