terça-feira, 9 de outubro de 2007

Jesus Gay

Estão preparando a versão cinematográfica da peça de Terence McNally, na qual Jesus seria retratado como um entre vários homossexuais, no seu grupo de apóstolos.

Recebi um e-mail convocando todos a banir o filme, que portanto não deve, pelo teor da mensagem, ser reproduzido ou visto.

Talvez a abordagem tática esteja errada, no que diz respeito ao combate puro e simples. Como as drogas, tudo que fica proibido é mais consumido ou... transforma-se numa bolha que mais tarde explodirá na forma de mil curiosos, quando a coisa vem a público, liberada.

Bem, tirando as drogas (que realmente têm um efeito deletério) tudo que me foi dito como sendo passaporte para o inferno acabou se mostrando, quando muito, chato.

Mas alguma coisa, certamente, salva-se. Não posso confiar na minha memória para citar de cor, mas lá dentro existem “flashes” de coisas boas, que me disseram ser ruins. Houve até quem tivesse aconselhado que eu não assistisse a Gandhi, um filmaço sobre alguém de quem eu era, já há muito tempo, fã. A alegação (feita por alguém que não tinha visto a película) era de que, por eu ter um jeitão de bonzinho, aquilo poderia me influenciar e me fazer entrar em uma seita qualquer.

Acho que Jesus não precisa de defesa, pois suas palavras, por ele proferidas ou não (dizem que os copistas andaram acrescentando coisas na Bíblia), quando sopesadas e interpretadas segundo a realidade social e científica da atualidade, defendem pensamentos bastante plausíveis e suficientes.

Seguindo esse raciocínio, que importância há se Jesus foi homossexual ou não? Diriam alguns que isso seria impensável, diante de algumas proibições homofóbicas na Bíblia, talvez ditadas pelo pânico perante o diferente, ou mesmo pelo horror à possibilidade dessa “doença” se disseminar e ocorrer o desperdício de semen, essencial para manter uma população frequentemente ameaçada por guerras e doenças.

Outra colocação que põe religiosos de cabelos em pé toca à possibilidade de Jesus ser uma pessoa como outra qualquer, que seria casado e deixado descendentes. A não ser pela curiosidade histórica, gostar de mulher ou de homem não tem muita importância, sob o prisma filosófico, nem tira nem um milímetro de valor do que se diz pelo viés da verdade, da lição, do ensinamento.

Aliás, boa parte do que “está escrito” é reprodução de outras passagens bíblicas, no antigo testamento, onde se ensina a amar (amar aqui é considerar, ser solidário, bondoso), ao próximo como a si mesmo. Ensina-se também a tolerância (ter setenta vezes sete paciência em relação ao ofensor. Isso significa tentar ver o ângulo do outro, antes de criticar). O curioso é que talvez Jesus não tenha desejado fundar uma religião e sim firmar um jeito de ser ao dizer, metaforicamente, que com bondade se consegue muito, sendo a transformação dos corações o verdadeiro milagre.

Dar a outra face talvez seja melhor interpretado como, “tentar compreender o outro”.

Jesus já foi traduzido por milhões de formas diferentes. Há um Jesus negro, um Jesus judeu (como efetivamente era), um Jesus pai de família... porque não um Jesus gay?

É possível que, na peça e no filme, queira-se passar essa mensagem, a de que Jesus-mensagem fala a todos, sem exceção, inclusive aos desbocados e miseráveis, aos pobres e perseguidos, aos incompreendidos. Arte tem dessas coisas... demora para a ficha cair. Demora para a compreensão da obra chegar.

Homossexuais vêm sendo perseguidos, de forma irracional e absurda, por séculos. Mesmo que alguém apresente um projeto que salve um país, mesmo que seja o mais heróico numa tropa, basta que se conheça sua preferência sexual para que se o atire à cova dos leões.

Houve um cientista na Inglaterra da II Guerra Mundial que, com seu cérebro brilhante, descobriu uma forma de desvendar um código usado por submarinos inimigos que foi crucial para localizá-los e destruí-los, permitindo que a ajuda americana chegasse até a Ilha britânica e bem assim que se salvasse a frota bélica de Sua Majestade. Terminada a guerra, o fato de ser gay lhe custou a liberdade e a paz de espírito. Ao que me consta, esse herói de verdade foi levado ao suicídio, em nome de uma mentira.

Para ingressar nas tropas americanas, havia um questionário... onde se perguntava se o candidato a soldado gostava de garotas... quem dissesse que não estava condenado a perder a chance de morrer pela pátria.

Hitler tinha, na sua lista de indesejáveis a serem eliminados e transformados em cinzas, judeus, testemunhas de Jeová, prisioneiros eslavos, negros, ciganos, tudo quanto fosse considerado aberração da natureza e... homossexuais.

Convivo com todos esses indesejáveis hitlerianos e, sinceramente, nada vi que os tornasse menos dignos, mais ou menos bons ou ruins que ninguém mais. Idi Amin Dada foi um ditador sanguinário... mas Stalin e Hitler também foram.
Madre Tereza foi o anjo de Calcutá, com religião e amor ao próximo. Sem religião, mas com muito amor ao próximo, um médico de origem judaica cuidou de gente com lepra na África.

Há voluntários, gays ou não, que participam de projetos como os médicos sem fronteira, dão sua cota de trabalho nos projetos comunitários, participam de missões nos mais perigosos rincões do planeta, levando ajuda e sem olhar demais para quem se está ajudando (nem dá tempo).

Acho que esse pessoal, independentemente de sua orientação quanto ao sexo, tem Jesus dentro, professa um ideal cristão (sem esquecer os que seguem o Islã, o budismo, qualquer vertente cristã ou mesmo não têm nenhuma religião). Se Jesus estivesse vivo, materialmente falando, acho que, vivendo na nossa época e compreendendo nosso jeito de existir, talvez risse muito de filmes que o retratam assim ou assado.

Talvez esse seja o escopo da peça ou do filme. Jesus está onde menos se espera. Jesus é a mensagem de amor. Amem-se e esqueçam suas diferenças. Sem cruzes, sem incendiar pseudo-bruxas, sem proibir filmes, sem demonizar mulheres, sem eleger, por mais absurdo que possa ser, gente dos mais variados matizes como culpados pelas coisas do mundo.

Apenas amem-se. O paraíso estará nos seus corações.


Um comentário:

Vanda Amorim disse...

Concordo com contigo. A mim não faz diferença o estado civil ou a preferência sexual que Jesus Cristo apresentou à sua época. Importa, sim, as suas mensagens, quase sempre na forma de metáforas, para que ouvisse quem tinha - e quem tem - ouvidos de ouvir. O amor é, sim, imprescindível. Tou contigo e não abro.