terça-feira, 16 de outubro de 2007

Tropa de elite.


Muito se escreveu sobre o filme aqui referido. Sobre as cópias piratas. Sobre o assunto tratado na película. Bem... começando pela disseminação dos DVDs clandestinos entre os camelôs, é bem possível que o sucesso já registrado no cinema não fosse assim, tão retumbante, se não houvesse sido “liberada” a cópia para o deleite dos curiosos. E o filme se revelou tão bom que passou de boca em boca. Atores foram revelados. Outros tiveram seu prestígio catapultado a índices nunca imaginados. E TODO MUNDO falou do filme.

Nas favelas cariocas, até traficante deve ter torcido pelos homens de preto armados com “emedezesseis” ou “aerrequinzes”, aquela arma americana bonitinha que faz um estrago danado e tem uma precisão incrível. Não sei se foi de propósito que a cópia “vazou”... mas acho que os responsáveis pelo filme certamente não teriam o mesmo sucesso nas telonas, se não houvesse uma prévia na telinha. O fato é que a grande maioria que viu o filme na tv é de baixa renda... gente que não pode pagar o preço altíssimo de uma entrada no cinema, hoje gueto chique em shopping, onde só descolados podem entrar.

Resumindo: O pessoal que produziu o filme saiu ganhando. Acho, também que todos nós.

Em “Tropa de Elite”, além de entretenimento de primeira, vários assuntos desagradáveis são tratados, de maneira muito crua e, convenhamos, verdadeira.

A corrupção policial, como primeiro item, não é apenas uma vergonha. É produto de um sistema ineficiente, rígido em alguns pontos, frouxo em outros... tudo precisando de uma reengenharia urgente. O cara entra na corporação e, teoricamente, deve ser um exemplo de eficiência, coragem, obediência, inteligência... na prática, o que acontece é que policiais que deveriam estar nas ruas são um monte de coisas lá... cozinheiros, mecânicos, escriturários, tudo, menos polícia. E falta a polícia da polícia funcionar. Falta gente para verificar procedimentos. Metodologias. Táticas, estratégias, treinamento eficiente (há armas que atiram projéteis não-letais, baratíssimos, que servem perfeitamente para esse mister, mas parece que são totalmente esquecidas, apesar de usadas em outras forças, no mundo inteiro). Americano treina seus soldados e policiais com videogame... aqui...

A coisa não é só da PM... você entra numa Delegacia e sente um clima de desrespeito desde o começo. Tudo quebrado, sujo... policiais mal-vestidos, mal-encarados, mal-educados, muitos mais se parecem com os ladrões que eles perseguem. Escornados em cadeiras, insatisfeitos pelos salários que recebem, tratam mal pessoas mais humildes... e quem lá apareça com algum cargo importante (a não ser que seja muiiiitoo importante), às vezes, encontra “dificuldades” de outras formas. É uma máquina defeituosa, há pouca gente e menos ainda com entusiasmo. Carros quebrados, problemas com combustível, peças que precisam ser obtidas por licitações que demoooraaammm... A polícia técnica, coitada, sem gente, sem equipamento. Um horror. Policial honesto fica sem ter como externar suas qualidades... como?

E as drogas?

Bem... fazer o que, né? O mundo todo acha que proibindo, acaba. Ou diminui... ou pára de crescer.

Não acaba. Não diminui... cresce cada vez mais. Assustadoramente.

Para cada dólar aplicado na repressão às drogas, há mais de dez de rendimento para quem quer que se aventure no crime.

É preciso tomar conta disso tudo e para tanto, é necessário que se obtenham armas para defender as fortalezas, instaladas geralmente nos lugares mais pobres e populosos (e cheios de vielas e escadas íngremes, com milhares de esconderijos). E tem de ser coisa pesada, cara. Ou nem tão cara assim. Kalashnikovs (aqueles fuzis russos horríveis, que não são tão precisos, mas caem no chão, na lama, na areia e emergem prontos para atirar), bem como sua munição, são baratíssimos. Mas, podem acreditar, dinheiro para comprar esses brinquedos, não falta. Até os mais caros. E fornecedores, quando a grana é boa, também. Aliás, no filme, há uma cena que retrata bem isso... para cada arma aprendida, o dobro ou o triplo aparece, para substituir. Uma questão de mercado... sempre haverá oferta, se houver procura.

Então, com tantas armas, várias, por soldado do tráfico, “sobra” para os outros ramos da bandidagem. Assaltantes, nas mais variadas formas, “alugam” ou compram pistolas, metralhadoras, fuzis, na maior facilidade, criando um mercado paralelo e crescente, que não precisa de nenhuma formalidade para operar. Sem notas, sem licenças, só o dinheiro.

No caso específico das drogas, realmente há quem queira fumar, cheirar e injetar. Não adianta nadíssima brigar tanto com os fornecedores, se existe uma demanda alegre e de braços abertos, à procura da mercadoria.

O consumo existe (Grande constataçãããooo). Há dois patamares... o conhecido e o desconhecido. Se a gente pensar em liberação, no primeiro momento, vai parecer que um monte de pessoas está querendo “experimentar” o “barato”. Mas é ilusão de ótica (ou nasal, ou subcutânea). Muita gente que curte a coisa virá à tona e... claro, vai haver quem sempre teve curiosidade, mas o medo da Lei conteve. São adultos, na maioria... Já os garotos... aí só proibição mesmo. Como se proíbe venda de bebida. Mas não adianta pensar que meninos e meninas não vão experimentar... eles experimentam tudo, se quiserem. Basta que se abra os olhos, que se saia perguntando e apenas se fique esperando que o fornecedor tenha contato com seus fregueses. E é quase tudo no meio da rua, às vezes bem debaixo do nariz da Polícia. Pois é... a proibição é lucrativa para os dois lados. Os traficantes ganham muito, enquanto os policiais corruptos (tem mesmo... uma quantidade enorme e os honestos, que prezem suas vidas, não podem denunciar), recebem uma “comissão”, para fazer de conta que não estão vendo nada.

Mas, pelo menos, se a droga puder ser vendida em qualquer lugar, como cigarro, pagando imposto, então acaba o aviãozinho. Criança e adolescente não vão mais para o tráfico. Ah, sim... não vai acabar com o negócio clandestino. Taí a reportagem do Fantástico, sobre as bebidas falsas, para confirmar. Mas acaba com a corrupção e o dinheiro desperdiçado. Acaba também com essa coisa estúpida de fumigar plantação de maconha e outras plantas alucinógenas, prejudicando a natureza (uma quantidade enorme de bichos morrem e o solo fica contaminado). Afinal, basta que se plante em outro lugar... às vezes, no mesmo. Ou seja... todo mundo sabe que Pernambuco é um grande produtor de maconha... vão lá, descobrem, queimam, jogam pesticida etc., prendem um manezinho coitado morto de fome e... 3 meses depois está tudo lá de novo. Pernambuco continua lindo... a canabis plantada lá, também, vicejante, verdinha...

Então, não adianta esperar que as atuais políticas de perseguição ao sistema de distribuição de drogas tenham sucesso. SÃO UM FRACASSO! Algo desmoralizado. Ridículo. Por favor, não briguem comigo. Olhem as estatísticas. Vejam o que a própria polícia reconhece.

Aí, vem a pergunta... e por que não acabar logo com isso?

Complicado. Se o Brasil abrir, sozinho, o mercado de drogas, vai virar a Disneylândia do barato (o termo não foi inventado por mim). Aí vem tudo que não presta pra cá, para consumir, ficar doidão na rua, como acontece na Holanda, onde os habitantes locais não são afeitos à erva, mas os de fora lotam os Koffeeshops, ou seja, as lojinhas onde se pode comprar e fumar à vontade uma quantidade enorme de variedades de maconha. Paciência... se a proibição começou em algum lugar, a abertura também. Pelo menos vamos usar a Polícia para atividades mais nobres.

O pessoal da área de saúde fica de cabelo em pé, se houver um aumento de procura dos serviços já muito debilitados, pela aplicação maluca de recursos (dinheiro tem... o que falta é administrador competente e honesto). Mas o problema é que já acontece isso. De forma dissimulada, gente aparece com câncer disso, daquilo, proveniente do consumo de drogas. Ninguém pergunta, só trata... então provavelmente vai ficar a mesma coisa.

Com o fim da proibição, com a industrialização, a lucratividade dos bandos vai por água abaixo... não vai dar mais para ter arma sofisticada. Não vai ser fácil molhar a mão de policial (convenhamos, pé de chinelo não tem grana pra isso). Gente... o Estado brasileiro está falido. Tem de racionalizar.

O contrabando de armas, por falta de ter quem compre, vai ser bastante reduzido. E as balas perdidas, também.

Na prática, a concentração da Polícia Federal nas fronteiras, mais o estrangulamento econômico da criminalidade, também contribuirá para evitar a entrada de armas de fora. Uma maior atenção nos quartéis, sob a mira dos comandos e da própria PF, também propiciará uma redução do desvio de equipamento das Polícias Militares e das forças armadas. Do jeito que está, a complicação para aquisição de armas vale apenas para o particular. Ladrão tem livre acesso. Qualquer quadrilhazinha de assalto a posto de gasolina (eu vi com meus próprios olhos) tem metralhadora e balas de 9mm. E essas nunca foram vendidas em lojas.

Que tal usar o dinheiro canalizado hoje para combate às drogas para a educação das pessoas? Campanhas, como a antitabagista, que foi um sucesso, mostrando como são ruins os efeitos da droga? Muita gente que não fuma, hoje, tem essa atitude graças ao esclarecimento, o que aliás é DEVER do Estado (e que não tenho visto mais, na tv). Acho que não estou sendo ingênuo. Seco, duro e pragmático, talvez... mas vá tomar conta de um país sendo bonzinho...

Pára, a obra de arte, pela estação da violência policial, como um trem passa por um acidente sangrento. Acho que cada polícia tem a violência que sua sociedade comporta. Não se pode lutar uma guerra contra uma tropa sanguinária e alucinada, sem ser sanguinário e alucinado, também. Já imaginaram, os russos defendendo-se de soldados nazistas doidos por acabar com tudo no caminho, inclusive matando crianças e velhos e doentes, em nome de uma ideologia saída de um livro de louco? Já pensaram em alguém diante de um inimigo desses, sendo gentil, educado e cortês? Claro que não dá certo. Se o opositor é sangrento, violento, luta a qualquer custo, não se pode lidar com ele com flores. Não se enfrenta fuzil belga do século XXI com revólver 38... Nem granadas com sorrisos... e não se espere informações vitais, em pouco tempo, a troco de perguntas gentis... Isso, simplesmente, não existe. Uma vez um grande Defensor Público me disse que eu estava vendo Jack Bauer (do seriado 24 Horas) demais... eu respondi (e era verdade) que eu preferia ler “A arte da guerra”.

Para acabar com a polícia violenta, não adianta mandar os seus soldados fazerem crochê... Para uma polícia mais lhana, educada, é preciso um ambiente igualmente educado. Que tal educação de primeira para o povo? Que tal pensar, de agora em diante, SERIAMENTE a respeito disso?

Bem... isso tudo tem jeito. É preciso QUERER que tenha jeito. Senão, quem não vai ter mais jeito é o Brasil. Isso mesmo... “quem”... o Brasil, todos nós, humanos que vivemos aqui. Se o filme só tivesse o mérito (que tem) de provocar uma discussão sobre a temática aí em cima, já estaria de bom tamanho.

Um comentário:

Vanda Amorim disse...

Homem, como tu escreves... muito... e muito bem. ua narrativa é tão boa como conversando contigo pessoalmente. Parabéns. Mas, sugiro que faça textos menores, dividindo melhor os subtemas.
Quanto ao tema geral abordado, concorda que foi criada uma polêmica ridícula sobre o filme. Ouvi um cara dizer que não se tratava de o bem ou o mal, mas de incluídos e excluídos ( tema para discussões futuras). Apesar de haver a exclusão, não podemos ser ingênuos ao ponto de acreditar que não existe maus. Eles estão aí, entre incluídos e excluídos.
Sobre as drogas, legalização, ainda não tenho uma opinião formada. É muito difícil, principalmente por conhecer dependentes. Mas, com certeza, gostaria de ver todos os traficantes na cadeia.
Um abraço, amigo Érico.