quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Um conto africano

Uzulu Migabwe era um homem honesto.

Não gastava mais do que podia, economizava para comprar sua casa e carro e procurava ajudar seus vizinhos, sempre que algo não ia bem na cidadezinha em que morava.

Sua forma simples e franca de viver lhe rendeu muito mais do que ele podia esperar. A comunidade precisava de um representante, no comitê político local e Uzulu era a pessoa certa, ao ver dos que o circundavam.

Convencido por seus amigos, Migabwe ingressou na política. Sua aura de integridade era a propaganda necessária, num ambiente essencialmente corrupto em que até pessoas eram literalmente vendidas, como escravas, favores eram trocados por dinheiro e recursos públicos eram perdidos pelos meandros da propina e da imiscuição, nos negócios público, dos interesses escusos de criminosos que dominavam o Estado.

Uzulu galgou cargos importantes, rapidamente, cercado que sempre estava de um pessoal legitimamente interessado em melhorar a sociedade em que viviam, depurando a maldade e a cobiça e se transformando numa dor de cabeça dos que defendiam o status quo, importante para manter o fluxo de dinheiro proveniente de impostos, para os bolsos particulares de escroques que dilapidavam o tesouro popular, impedindo a construção de escolas, estradas e hospitais.

Demorou um pouco, mas Uzulu conseguiu milagrosamente chegar à condição de prefeito. Seu governo, bem aconselhado, revelou-se uma dádiva para os seres humanos que sobreviviam a duras penas, naquelas paragens. Medidas simples, como encanamento de água de um rio distante, para uma bica no centro do município, trouxe a água para muito mais próximo do que costumava ser, sob a administração anterior. Cozinhas coletivas facilitavam a cocção dos alimentos. Fossas foram cavadas. Biodigestores produziam gás a partir de dejetos colhidos de humanos e animais. Para evitar moscas, tudo era aproveitado, até como adubo e o lixo que não servia para isso era reciclado, criando um novo mercado de trabalho. Nas fazendolas que cercavam a cidade, a construção de cisternas, com ampla participação de homens e mulheres cansados de tanta estiagem, permitia a armazenagem do líquido precioso em épocas menos dadivosas de chuvas.

A localidade, mesmo sendo pobre, progrediu. Menos gente passava fome. Uzulu era um nome que se pronunciava sempre, com admiração.

Os facínoras, no entanto, como é de se feitio ao redor do mundo, inventaram que Uzulu tinha obtido a casa em que morava com recursos do governo, ilicitamente obtido em tramóias e roubos de toda a sorte. A história foi tão bem armada que havia até documentos falsos para “provar” o que era dito. Uzulu foi preso. A imprensa da região, comprada, noticiou que o conhecido benfeitor era na realidade o pior dos bandidos.

Uzulu só não perdeu sua morada porque seus documentos eram consistentes. Mas, inocente que era, inclusive do pondo de vista da forma de combater seus detratores, caiu em depressão e quase se suicida. Para o povo, parecia que seu antigo defensor não passava de mais um pulha, que os enganara... mesmo com todos os benefícios que estavam gozando, as pessoas se indignavam e se esqueciam facilmente do que eram suas vidas, antes de Migabwe.

Os amigos de Uzulu sabiam de seu valor. Mas o nome estava irremediavelmente destruído. Os fofoqueiros voltaram ao poder. Como é costumeiro em países subdesenvolvidos, demoliram todas as obras, não deram manutenção ao que não podia ser desfeito e logo a vila era, de novo, um antro de miséria no centro da África.

E... claro. A população, com a ajuda dos adversários, culpou Uzulu pelo castigo dos Deuses.

Essa história se repete todos os dias. Serve para nos alertar de que o mal existe, e, para nos livrarmos dele, como uma vacina, é preciso ter um pouco de seu DNA dentro de nós, para que possamos nos imunizar e, conhecendo-o e sentindo-o, afastá-lo com suas próprias armas, se necessário, ou usar habilidosamente suas forças contra ele mesmo, tal e qual a filosofia do judô.

Um mestre da paz tem também de ser um mestre da guerra, se quiser continuar fazendo o bem e não ser destruído pelo mal.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Templos e Deuses


Há muito tempo atrás, uma mulher entrou num templo e escolheu a entidade que representava a sua necessidade de cura. Sua filha estava ao lado, dirigindo suas preces para um outro ser espiritual que lhe traria um bom casamento. Na imensa estrutura, várias outras pessoas queimavam insenso e prometiam oferendas, cada uma com seu caso especializado e com um responsável por ele, no mundo alémtúmulo.

Todos, no entanto, reservavam uma reza especial para o chefe dos que eram invocados, em busca das mais variadas soluções. Tratava-se de um ser misterioso... uma tríade, um em três, três em um.

As referências dessa história verdadeira se perdem nos relatos do passado remoto, com raízes fincadas na mesopotâmia, na Índia, nas cidades-estado gregas e na Roma antiga, com seus múltiplos deuses, sempre comandados por um ou o conjunto de deidades principais.
O despertar do zoroastrismo, judaísmo, sikhsmo, Bahá'ísmo, implicou na recusa a Olimpos, campos celestes povoados por criaturas poderosas e outras criações. Foi dito: Só há um Deus. No cristianismo primordial, também se reafirmava o dogma e no Islã a mesma sentença: Só há um Ser Supremo.

Tudo bem, não é? Mas a história acima se refere não a algo que aconteceu 3 milênios atrás... ocorreu numa igreja católica, faz uns 20 anos... mas se repediu faz uns 20 minutos.

O catolicismo teve de se apropriar de elementos culturais dos lugares onde ia se desenvolvendo, a fim de adaptar as características dos seus habitantes às singularidades do judaísmo reformado. Nasceu, portanto, um novo olimpo, com deuses chamados de santos e a entidade maior composta de filho, espírito santo e pai. Claro, entre outros motivos, para poder explicar a divindade de Jesus. Sacrifícios humanos foram substituídos pelo do próprio Cristo, em carne e sangue representado pela hóstia e o vinho, tudo simbólico, mas muito real... ali estão a carne e o sangue e o fiel realmente acredita na transmutação... e come. E bebe.

Não há nada demais nisso tudo... só que um cientista não se conforma com a sentença de um padre ou pastor... ele vai a fundo e desnuda a natureza das coisas. Depois de Cristo, veio o demônio como um adversário divino... e a tudo recomeçou: DOIS DEUSES, um antagônico ao outro, pois, se Deus é puro amor, de onde vem tanto ódio?

Se formos católicos, somos politeístas, tanto e quanto o foram os gregos, os romanos e também o são os praticantes do Candomblé, que aliás não sentiram nenhum problema em associar seus deuses aos santos católicos, dada a íntima identidade das crenças. O Candomblé, ao que se sabe, foi sábio em se adaptar, para não se extinguir. Como o bambu, dobrou-se à intempérie da intolerância, mas manteve-se íntegro, no seu âmago.

Aliás, o catolicismo fez a mesma coisa. Então, que tal voltar aos primórdios das lições do Mestre dos mestres e tratar de amar ao próximo, sem lhe criticar a religião (evitando olhar para o próprio umbigo ou esquecer o próprio teto de vidro) ou buscar converter-lhe a todo custo?
Que uns respeitem aos outros. Talvez assim haja menos sangue derramado em razão de balas e bombas, por disparidade de crenças, e apenas o vinho se afigure no quanto corre em nossas veias, não importando a natureza religiosa de ritos e verdadeiras faces.

Que a paz reine em suas casas, trabalhos e almas.